Cartografia do trabalho de agentes penitenciários: Reflexões sobre o “dispositivo prisão”
sistema prisional; cartografia; trabalho; agentes penitenciários; subjetivação.
O sistema prisional brasileiro vem atravessando grave crise, não só pelo crescimento do número de presos e consequente superlotação de unidades prisionais, mas também pela violação de direitos humanos, institucionalização e dificuldade de reinserção social dos apenados. Além disso, os efeitos nocivos do sistema prisional afetam seus trabalhadores, geralmente não priorizados por pesquisadores, programas de saúde e políticas governamentais. A literatura vem apontando para algumas consequências do trabalho no cárcere, dentre elas, o adoecimento psíquico, stress, uso abusivo de álcool, etc., mas pouco se sabe sobre essa categoria profissional, seus problemas, as dificuldades de sua rotina de trabalho, assim como os processos de subjetivação envolvidos. Assim, quais os efeitos do trabalho no cárcere na vida dos agentes penitenciários (AP)? Que estratégias desenvolvem para enfrentar o trabalho na prisão? Essa pesquisa tem por objetivo analisar os efeitos do trabalho no cárcere na vida de agentes penitenciários do presídio estadual de Parnamirim, localizado na região metropolitana de Natal-RN. Dentro da perspectiva teórico-metodológica da análise institucional e da cartografia foram realizadas rodas de conversa, entrevistas, além da observação participante da rotina de trabalho dos AP. Os resultados apontam para uma rotina laboral marcada pela realização de procedimentos que envolvem risco ao trabalhador, gerando situações de tensão e stress. Além disso, a cultura da violência (que se desenvolve no dia a dia da prisão) e o processo de formação e aprendizado inicial da profissão, são responsáveis pelo processo de militarização das subjetividades dos AP, produzindo sujeitos duros, disciplinados, enrijecidos, propensos a práticas violentas e demais violações de direitos. Outros efeitos mapeados dizem respeito à aquisição de saberes sobre o homem (saberes “psi”) responsáveis por forjar a concepção do criminoso como “sujeito perigoso”, o que, por sua vez, age como vetor de subjetivação no dia a dia dos agentes penitenciários, configurando um modo de vida atravessado pelo medo e pela insegurança fora do ambiente de trabalho. Produz-se um controle a céu aberto sobre suas vidas e de seus familiares, limitando-os no que diz respeito ao convívio familiar e comunitário e à realização de atividades de lazer em espaços públicos. Nessa direção, constata-se que a prisão age produzindo “maus encontros” (a partir da perspectiva de Espinosa), ao produzir afetos tristes responsáveis por enfraquecer o conatus, limitando as possibilidades de ação desses sujeitos. Embora os agentes desenvolvam algumas estratégias para lidar com as dificuldades do trabalho no cárcere (dentre as quais destacam-se o desenvolvimento de outras atividades profissionais ou de lazer, a espiritualidade/religiosidade e a capacidade de separar os momentos laborais daqueles destinados a vida pessoal dos AP), advoga-se que tais estratégias não oferecem uma resistência significativa, já que não questionam a lógica jurídico-penal contemporânea. Assim, a tese apresentada defende as propostas do abolicionismo penal no sentido de propor outras concepções acerca do crime e da justiça, permitindo a invenção de outras estratégias prático-conceituais.