Fatores Ambientais que Direcionam a Comunidade Fitoplanctônica e as Respostas Ecológicas dos Reservatórios de Abastecimento de Água em uma Região Semiárida Tropical Brasileira
Eutrofização, cianobactérias, abordagem funcional, microcistinas, mudanças climáticas.
As características climáticas intrínsecas do Semiárido Brasileiro (SAB) promovem um cenário de vulnerabilidade à escassez d’água, que ao longo do século incentivou a criação de reservatórios artificiais para garantir a segurança hídrica, principalmente nos períodos de estiagem. Além disso, os usos múltiplos da água são um dos fatores que podem acarretar no aumento da carga de nutrientes nos reservatórios, que se concentram devido às altas taxas de evaporação e ao alto tempo de residência, tornando esses sistemas mais suscetíveis à eutrofização e contribuindo para a deterioração da qualidade da água. Consequentemente, ocorre o crescimento excessivo da comunidade fitoplanctônica, causando riscos significativos à biodiversidade e ao funcionamento do ecossistema, principalmente quando há proliferação de cianobactérias tóxicas. Assim, a composição e biomassa da comunidade fitoplanctônica pode variar ao longo do tempo, podendo ser investigada e utilizada como instrumento para avaliar alterações ambientais. Nesse contexto, uma maneira útil de estudar a comunidade fitoplanctônica é agrupar os organismos com base em semelhanças em estratégias adaptativas e funcionais, como características morfofisiológicas que respondem à disponibilidade de luz e nutrientes. A abordagem funcional pode ser útil para estabelecer relações entre as características das espécies e os processos ecológicos. Dessa forma, o presente estudo tem como objetivo avaliar os fatores ambientais que influenciam a qualidade da água e a comunidade fitoplanctônica em sete reservatórios com diferentes graus tróficos, no semiárido cearense, Nordeste do Brasil. As amostras de água superficial (n = 56) foram coletadas trimestralmente ao longo de dois anos (fevereiro de 2018 a novembro de 2019) na área da barragem, onde está localizada a captação para abastecimento humano. Em cada amostragem, foram investigadas variáveis hidroclimáticas, variáveis físico-químicas da água e componentes biológicos. Em geral, as variáveis limnológicas foram fortemente influenciadas pelo efeito sazonal (entre as estações chuvosa e seca). No entanto, os resultados foram variáveis entre os reservatórios, indicando que respostas intrínsecas devem ser consideradas. Além da precipitação, as características morfométricas (tamanho e profundidade) e o uso do solo dos reservatórios foram fatores importantes na determinação da qualidade da água. A redução do volume de água aumentou as concentrações de nutrientes (fósforo e nitrogênio) e biomassa de algas (clorofila-a) nos reservatórios independentemente da estação do ano. No entanto, a eutrofização foi intensificada durante a estação chuvosa, provavelmente devido ao carregamento de material alóctone da bacia. As concentrações relativamente baixas de nutrientes associadas às condições de boa qualidade da água em Tatajuba (TAT) e Cachoeira (CAC) e moderada em Prazeres (PRA), Olho D'Água (ODA) e Rosário (ROS) parecem estar limitando o crescimento do fitoplâncton e, consequentemente, a produção primária nesses sistemas. Por outro lado, os reservatórios de Lima Campos (LIC) e Ubaldinho (UBA) apresentaram as maiores concentrações de nutrientes, clorofila-a e turbidez independente das condições climáticas, mostrando que as fontes são contínuas e a qualidade da água desses reservatórios é mais ameaçado. Um total de 159 táxons fitoplanctônicos foram identificados nos reservatórios investigados, distribuídos principalmente em algas verdes (77 spp.), cianobactérias (52 spp.) e diatomáceas (15 spp.), mas também Euglenophyceae (oito spp.), Cryptophyceae (três spp.), Xantophyceae (três spp.) e Dinophyceae (uma spp.). Os táxons identificados foram incluídos em 23 grupos funcionais (GFRs), dos quais 13 (F, H1, J, K, Lm, Lo, M, MP, N, P, S1, Sn e W1) foram considerados descritores dos reservatórios e contribuíram > 70% do biovolume total. Em geral, uma diminuição na riqueza e diversidade foi observada em direção ao gradiente trófico mais alto (por exemplo, LIC e UBA), enquanto o oposto ocorreu para o biovolume do fitoplâncton. Os GFRs foram representativos do estado trófico dos reservatórios investigados e apresentaram sinais de eutrofização em condições oligo a mesotróficas. No geral, a disponibilidade de luz e a concentração de nutrientes foram os principais fatores que determinaram o limiar ambiental para a dominância e abundância de GFRs. Assim, a abordagem de GFRs provou ser uma ferramenta clara para distinguir a qualidade da água de reservatórios de acordo com seu estado trófico. Ademais, a maior biomassa e dominância de cianobactérias em LIC e UBA provavelmente foram impulsionadas pelas condições de alta turbidez, coluna de água estável e eutrofização. Nesses reservatórios, táxons específicos de cianobactérias representaram > 98% da biomassa fitoplanctônica e foram influenciados por diferentes fatores abióticos. Por exemplo, nitrogênio total e fósforo foram positivamente relacionados a Microcystis aeruginosa e nitrato a Dolichospermum solitarium, enquanto pH e nitrito foram positivamente associados a Raphidiopsis raciborskii e Planktolyngbya limnetica. Microcistinas foram detectadas ao longo do estudo em ambos os reservatórios, com 100% das amostras de LIC acima do limite estabelecido pela legislação brasileira (1 µg L-1) e 50% das amostras de UBA. Assim, nossos achados mostram a necessidade de medidas de mitigação e melhor gestão hídrica nos reservatórios estudados, evitando a deterioração da qualidade da água e comprometendo usos múltiplos, principalmente considerando cenários de mudanças climáticas, uma vez que os potenciais produtores de cianotoxinas estão se tornando mais frequentes devido às capacidades adaptativas e mudanças globais.