IMAGINÁRIO, MEMÓRIA E MITO: ANÁLISE FÍLMICA DE ASAS DO DESEJO (1987) E UNDINE (2020)
Cinema; Imagem; Imaginário; Memória; Mito.
A presente pesquisa tem por objetivo analisar representações simbólicas nas obras fílmicas Asas do desejo (Der Himmel Über Berlin), de Wim Wenders (1987) e Undine (Undine), de Christian Petzold (2020), tendo como parâmetro expressões do imaginário, da memória e do mito. Tais conceitos se entrelaçam por meio de uma base comum, que é a teoria da imagem. O ser humano constrói representações mentais do mundo a partir de suas experiências imagéticas anteriores e correntes, o que gera em seu universo mental informações sobre si mesmo e sobre o meio em que está inserido, incluindo o social, cultural e histórico. Para lidar com esse entrelaçamento, também se recorre às noções de representação e de simbólico, que permitem conferir uma expressão e um sentido compreensivo às manifestações imagéticas, imaginárias, mnésicas ou míticas. Para compreender isso, são adotados procedimentos teórico-metodológicos como a abordagem qualitativa (Minayo, 2009; Chizzotti, 2005), mediante a análise fílmica (Penafria, 2009; Vanoye, Goliot-Lété, 2012), dos elementos de expressão, seus simbolismos e os contextos sócio-históricos que envolvem as duas produções cinematográficas. A partir da análise descritiva das imagens fílmicas, conclui-se que as representações simbólicas de anjo, ninfa e cidades re manifestam sugestivamente nos filmes de modo a tecer sentidos, significações, ressignificações e afetos que ultrapassam o sentido literal da gramática fílmica. Os anjos, protagonistas do filme Asas do Desejo (1987) e a ninfa, protagonista do filme Undine (2020) são entes antropomorfos e míticos que fazem parte do imaginário da cultura alemã, compondo expressões e narrativas em diversas linguagens. As Elegias de Rilke são inspiração para compor os anjos, que são transcendentais, de modo a transpassar o tempo e o espaço. Asas, pássaros e estátuas representam e simbolizam os anjos, assim como as tomadas aéreas da câmera sobre a cidade de Berlim e os ângulos (plongée e contra-plongée) expressam a noção de seu voo. Esses elementos mostram a elevação, o sopro divino sobre a humanidade, a divisão entre o céu e a terra (Girard, 1997; Chevalier, Gheerbrant, 2003), a redenção após o desastre. A ninfa é um ser que se expressa por meio da água (Girard, 1997; Chevalier, Gheerbrant, 2003; Agamben, 2012), numa atualização da ninfa de Fouqué e Bachmann. O elemento água simboliza a vida e a morte, a condenação e o perdão. Em ambos os filmes, a representação da cidade de Berlim evoca fatos históricos e socioculturais, que permeiam os contextos culturais distintos dos dois filmes, evocativos da Segunda Guerra Mundial e do pós-guerra com a reconstrução e ressignificação dos espaços urbanos da cidade. Considera-se que os conceitos do imaginário, da memória e do mito expressos nas imagens permitiram uma compreensão mais aprofundada e amplificada dos elementos simbólicos que existem nesses filmes, servindo como chaves de leitura e possibilitando interpretar alguns aspectos das relações sociais e dos fenômenos e espaços urbanos representados nas narrativas fílmicas, assim como estabelecer as conexões descritas entre situações históricas e contemporâneas da sociedade alemã.