NARRATIVAS DO BRASIL NAS MEMÓRIAS DE PEDRO NAVA
Memória. Narrativa autobiográfica. Subjetividade desestabilizadora. Passado capacitante. Racionalidade cosmopolita. Sociologia das ausências.
Consiste, este trabalho de tese, de uma tradução da obra do médico brasileiro, Pedro da Silva Nava (1903-1984), em particular, de seus escritos memorialísticos e das crônicas, articulados com os de história da medicina, objetivando-se defender que as narrativas autobiográficas são fontes de pesquisas capazes de promover discussões sobre a dilatação do presente na confluência de uma sociedade desigual e complexa, em constante processo de mudança, como a brasileira. A fundamentação teórica e metodológica circula no entorno dos estudos, propostas e teses de Boaventura Santos sobre passado capacitante, subjetividade desestabilizadora, sociologia das ausências, razão cosmopolita e trabalho de tradução. As bases empíricas, extraídas da literatura produzida por Nava, foram analisadas tendo como referentes esta fundamentação e estudos que possibilitaram o fluir da tradução, entre outros, de Antonio Cândido, Arrigucci Jr, Boris Cyrulnik, Beatriz Sarlo, Ecléa Bosi, Ítalo Calvino, José Willington Germano, José Maria Cançado, Lev Vygotsky, Marilena Chauí, Paul Ricöeur e Walter Benjamim, sem descurar daquilo que consideramos imprescindível à pesquisa científica, à produção de conhecimentos prudentes e pertinentes, na perspectiva de uma vida decente. As inflexões iniciais traduzem o sujeito das Memórias e sua educação/formação, para, em seguida, situar as Memórias do sujeito no contexto literário, científico, histórico e poético brasileiro (1972-2010). Trazem seus principais intérpretes, discutindo a racionalidade empregada pelo Narrador, que defendemos aproximar-se da cosmopolita, evidenciando a constituição de narrativas cujas presenças inserem-se de antemão à verve modernista, vinculada à matriz discursiva contrária à literatura como espaço de dominação, disseminada no Brasil no início do Século XX. Desse modo, articula-se àquela na qual as preocupações conformam a construção da formação social do Brasil, como patrimônio nacional, através da narrativa literária com enfoque em um princípio histórico que torna o passado capacitante. Permite, assim, sua releitura, para cujas tramas convergem à memória, os modos de vida, a pluralidade da linguagem e da cultura brasileira, formada por vários povos, confluindo para uma concepção, não de cultura, mas de multiculturalidade brasileira. A questão da memória foi tratada no espaço-tempo das experiências do ser que narra, moldado por uma subjetividade desestabilizadora que buscou ordenar os testemunhos de um tempo, de uma história e de uma sociedade, recontando-os pela imaginação criadora, quase ficcional, para fazer circular seus conhecimentos sobre o Brasil, unidos aos seus conhecimentos médicos, bem como aos de outros sujeitos de seu grupo de convivência e de outros grupos com os quais manteve contato. Assim, retratou bens culturais materiais e imateriais do país como forma de preservação, atribuindo-lhes significados e sentidos. Aproxima-se, portanto, da perspectiva de sociologia das ausências, pela dilatação do presente e pelas lógicas a ela inerentes em suas narrativas de si e do Brasil.