"Isso é com o Juiz Natural": análise de audiências de custódia nas centrais de flagrantes da cidade de Natal/RN
Palavras-chave: Audiências de custódia; Central de flagrantes; Crimes; Estado; Repressão criminal.
O presente trabalho tem como objetivo observar e interpretar as audiências de custódia realizadas em duas centrais de flagrantes da cidade de Natal/RN. Entre dezembro de 2021 e março de 2022, 66 audiências foram observadas por meio de plataformas virtuais usadas pelo Rio Grande do Norte para realizar os ritos. O texto traz um panorama histórico sobre a implantação das audiências de custódia, antes e depois da edição da Resolução nº 215/2015 do Conselho Nacional de Justiça, bem como comenta algumas das repercussões que elas trouxeram na atividade de parlamentares posicionados a favor e contra as audiências. Partindo dos dois principais objetivos das audiências, a saber, decidir sobre a legalidade da prisão em flagrante, e ouvir o flagranteado sobre possíveis violações de direitos pelas autoridades policiais durante a prisão, a pesquisa tenta entender como esses relatos dos flagranteados são tratados e encaminhados pelos responsáveis por ouvi-los. Além disso, a partir da análise e da interpretação das audiências, a pesquisa pretende delinear características do sistema estatal de repressão criminal, tais como a estrutura desse sistema e a interação entre as autoridades participantes da audiência; assim como o papel do flagranteado previsto na Resolução nº 213/2015 do Conselho Nacional de Justiça e aspectos da sua efetiva participação na prática das audiências; e o recorte socioeconômico dos crimes mais frequente e dos flagranteados. A partir dos dados, é possível perceber um direcionamento da atividade policial para alguns tipos de crimes mais frequentes, principalmente aqueles relacionados à violência doméstica e familiar (Lei Maria da Penha), aos crimes contra o patrimônio, aos crimes relativos a armas de fogo, e aos crimes de tráfico de drogas. Nesse recorte, também é possível perceber que os flagranteados, em sua maioria, se encontram em uma camada menos favorecida da população, a partir dos dados recolhidos nos autos sobre seus empregos e suas fontes de renda, seus locais de moradia, e sua inserção marginal em atividades reguladas pelo Estado. Sobre a execução e a efetividade das audiências, pode-se concluir que o modelo que separa as autoridades da audiência de custódia daquelas que julgarão efetivamente os casos durante um processo penal tende a causar prejuízos aos flagranteados, seja por limitar a sua possibilidade de defesa, seja por adiar a decisão sobre fatos que poderiam diminuir o tempo de custódia estatal dos flagranteados, principalmente pela decretação de prisão preventiva.