COSMOPOLÍTICAS TUXÁ: CONHECIMENTOS, RITUAL E EDUCAÇÃO A PARTIR DA AUTODEMARCAÇÃO DE D’ZOROBABÉ
Territorialidade; Política indígena; Ritual; Conhecimento; Educação.
Este trabalho busca investigar algumas dinâmicas políticas e de elaboração indígena de conhecimentos entre os Tuxá de Rodelas, intensificadas a partir de seu engajamento no processo de autodemarcação do território de D’zorobabé, em Rodelas-BA. Para os Tuxá, D’zorobabé é considerado território ancestral, tradicional e historicamente relacionado aos índios rodeleiros da região do Submédio São Francisco, antepassados de quem se compreendem descendentes. Ao mesmo tempo que intensifica dinâmicas de organização social e política, a autodemarcação oportuniza aos Tuxá uma reabitação no território considerado cosmologicamente forte, pela presença desses mesmos antepassados – brabios, gentios, mestres encantados. Esta tese apreende certos dinamismos postos em ação quando da autodemarcação, iniciada em 2017, e reflete sobre formas de trato com a ciência tuxá, isto é, seu complexo de práticas e conhecimentos rituais que compõe base para a concepção indígena de mundo, bem como para as políticas e planejamentos educacionais elaborados pelos professores tuxá no âmbito de sua educação escolar indígena. Etnograficamente, buscamos delinear as correlações entre política indígena no processo de reabitação do território com dimensões de entendimento do complexo ritual da ciência e suas práticas político-rituais. Os arranjos políticos – divisões em grupos político-familiares, troncos que compõem atualmente o Conselho Tuxá – apontam modos específicos de relacionamento com o território, quer em sua ocupação material, quer nos relacionamentos imateriais com a dimensão da ciência no lugar. Também evidenciam a multiplicidade de grupos políticos entre os Tuxá de Rodelas, seja na Aldeia Mãe, seja na área urbana da cidade, e que se reorganizam em torno da autodemarcação a fim de que a ocupação do território possibilite novas afirmações políticas e acesso a recursos – representatividade política, acesso à terra, entre outros. Acompanhando os primeiros seis meses (agosto de 2017 a fevereiro de 2018) de autodemarcação, nossa etnografia busca descrever processos de negociação entre distintos grupos político-rituais, atentando para as dimensões materiais e imateriais que a reabitação em D’zorobabé promove. Observamos como a circulação de diferentes grupos político-rituais no território cosmologicamente forte evidencia distintas formas de se acercar dessa força, e estabelecer tratos possíveis com a ciência e com os conhecimentos que a ela se relacionam. No limite, estudamos dois modos de educação indígena que a relação com a ciência favorece: um, que chamamos de pedagogia da mata, elabora relações cosmopolíticas e rituais com os entes encantados e com os conhecimentos que deles advém; outro, acionado sobretudo por professores indígenas, transita por repertórios pedagógicos (indígenas e não-indígenas) em estreita relação com conteúdos aprendidos por meio da ciência, em contextos não-escolares, aí incluídos os rituais. O reforço dos repertórios e das políticas pedagógicas por meio do recurso à ciência permite-nos compreender como, entre outros projetos, vem ocorrendo entre os Tuxá de Rodelas uma tentativa de revitalização linguística baseada em múltiplos documentos e fontes: a própria comunicação com os brabios e mestres encantados – cuja coetaneidade em D’zorobabé estimula – e também textos do período colonial como o catecismo bilíngue em português e Dzubukuá, idioma da família cariri, tronco macro-jê, historicamente falado por povos da região. Ao território ancestral, assim, soma-se a noção de uma língua ancestral que nos permite traçar múltiplos acionamentos de uma territorialidade tuxá que permeia terra (pela autodemarcação), conhecimentos (pelas práticas rituais e pela ciência) e educação escolar (pelo horizonte de fortalecimento étnico e revitalização linguística que o projeto do Dzubukuá assume atualmente).