INTERDEPENDÊNCIA E O SISTEMA DE REPRODUÇÃO COOPERATIVA: PERCEPÇÕES A PARTIR DE SAGUIS-DE-TUFO BRANCO (CALLITHRIX JACCHUS) EM CAMPO E CATIVEIRO
Tolerância social; Contágio emocional; Partilha de alimento; comportamentos pró-sociais.
A abrangência do repertório social humano, bem como o processo que fomentou a evolução de um sistema tão complexo são de particular interesse para biólogos, psicólogos e antropólogos. Advindo deste último campo de estudo, uma importante hipótese que busca elucidar a evolução do nosso comportamento é a hipótese do reprodutor cooperativo (HRC). Sob a égide do sistema reprodutor cooperativo estão espécies que vivem em grupos, cuja prole recebe altos níveis de investimento tanto dos pais como de outros membros do grupo social, em particular, destacando-se o cuidado parental e aloparental, respectivamente. A sobreposição entre parentesco dos ajudantes, intensidade do viés reprodutivo e nível de investimento aloparental estão limitados pela história de vida e composição genética de cada táxon. A reprodução cooperativa, por outro lado, não é um fenômeno homogêneo (Shen, et al., 2017). Há espécies com grupos multi-macho e multi-fêmea com poligamia abrangente e variações na prevalência de múltiplos reprodutores. Alternativamente, há grupos com apenas um par reprodutor, enquanto os demais membros, que em sua maioria são proles do par reprodutivo, retardam indefinidamente a própria reprodução enquanto se comportam como cuidadores (Koenig et al., 2016). Portanto, o termo reprodutor cooperativo abrange uma ampla diversidade de comportamentos passíveis de análise. A HRC postula que o substrato fisiológico e motivacional do sistema reprodutor cooperativo, em condições naturais, pode otimizar a performance em uma gama de mensurações cognitivo-sociais. Minha abordagem nesta tese, portanto, foi explorar as variações comportamentais de um primata reprodutor cooperativo, o sagui-de-tufo-branco (Callithrix jacchus), decorrentes de níveis distintos de interdependência. Interdependência, enquanto conceito que enfatiza o impacto de um indivíduo na aptidão de co-específicos, é importante para o estudo de espécies vivendo em grupos. Ao manipular os níveis de interdependência, é possível, portanto, fazer prognósticos sobre variações comportamentais da espécie enquanto modelo experimental, e assim, expandir o conhecimento acerca dos pilares biológicos do sistema reprodutor cooperativo, além de sua relevância para explicar a evolução do peculiar repertório social da espécie humana. e, por fim, testar novamente a HRC. Como objetivo desta tese, investiguei a Hipótese do Reprodutor Cooperativo, a partir das variações comportamentais intraespecíficas derivadas de diferentes níveis de interdependência. Nos capítulos empíricos analisei respostas comportamentais de C. jacchus em três contextos comportamentais: tolerância social, partilha alimentar e reação a co-específicos com sinais de estresse. Conclui essa etapa com uma revisão sobre o sistema reprodutor cooperativo abrangendo a definição predominante e seus pontos negativos, os benefícios ecológicos para reprodutores, prole e ajudantes, as possíveis rotas evolutivas que permitiram o surgimento e sucesso deste sistema e as possíveis consequências comportamentais decorrentes deste sistema reprodutivo. No capítulo 2, aferi se a tolerância social de C. jacchus é maior em circunstâncias de alimento com maior disponibilidade (ambiente de cativeiro) ou com menor disponibilidade (ambiente natural), portanto, com maior interdependência. Ao contrário de primatas com reprodução independente, C. jacchus demonstrou maior tolerância social no ambiente com maior interdependência (habitat natural). Destaca-se que o elo entre a interdependência proveniente da reprodução cooperativa e a tolerância social, extensamente reportado na literatura, não é um artefato da vida em cativeiro. Finalmente, ressalta-se ainda o impacto da interdependência na evolução de reprodutores cooperativos altamente tolerantes, o que, em última instância, afeta a compreensão da evolução social em nossa espécie. No capítulo 3, o objetivo foi estimar o ajuste de C. jacchus ao partilhar alimentos com infantes sob disponibilidade alimentar variável. Todos os indivíduos observados, com exceção das fêmeas subordinadas, seguiram uma estratégia baseada na interdependência e, portanto, reduções na disponibilidade alimentar foram seguidas por aumento na partilha alimentar aos infantes. Ademais, essa resposta comportamental também é adotada para itens alimentares difíceis de obtenção e em estágios de maior dependência da prole. Fêmeas subordinadas, quando participando no cuidado à prole, seguem uma estratégia baseada primariamente nas limitações ecológicas e, portanto, partilham menos alimentos em períodos de menor disponibilidade. Fica evidente que a variação comportamental de C. jacchus está intimamente associada aos níveis de interdependência e às estratégias ecológicas particulares dos indivíduos; também, que há uma interconexão entre as hipóteses da reprodução cooperativa e de interdependência, e a importância de ambas as hipóteses na evolução do sistema de reprodução cooperativa. No capítulo 4, avaliei como C. jacchus reage a co-específicos com sinais de estresse e se estas reações são governadas por motivações empáticas ou egocêntricas. Verifiquei que todos os participantes demonstraram contágio ao estímulo emocional, ainda não registrado em C. jacchus, indicando que essa espécie possui um repertório de comportamentos sociais maior do que o esperado. Além disso, machos se aproximaram mais de co-específicos com sinais de estresse em comparação a co-específicos relaxados, um resultado consistente com a notável pró-socialidade dentre os machos de C. jacchus em ambiente natural (Yamamoto et al., 2014). Esses dados evidenciam a capacidades dessa espécie sob a perspectiva do modelo de combinação empática (Yamamoto, 2017). E, quando associados aos resultados obtidos com roedores (Burkett et al., 2016), esclarecem o surgimento evolutivo de habilidades empáticas ao mover o foco das espécies com cérebros grandes para as espécies altamente interdependentes. Finalmente, no capítulo 5 discute-se o sistema reprodutor cooperativo com o foco em sua definição, benefícios ecológicos, evolução e consequências comportamentais. Com base neste capítulo e nos resultados obtidos nos demais capítulos, destaco possíveis contribuições desta tese para a discussão do processo evolutivo que possibilitou a emergência deste sistema. A proposta de síntese feita por Shen et al., (2017) não destaca a importância de estudos comportamentais para fortalecer o escrutínio sobre sua proposta. Considerando o papel central da interdependência no funcionamento do sistema reprodutor cooperativo, destaco a importância da utilização do rico arcabouço empírico na diversificação dos estudos sobre as forças que levaram à emergência evolutiva do sistema de reprodução cooperativa. Em síntese, o principal resultado desta tese é o papel da interdependência como força motriz na tolerância social e a partilha de alimento em primatas reprodutores cooperativos. Ademais, serve de base, para explicitar a importância do nicho ecológico-social na evolução de certas habilidades mais complexas em C. jacchus, a despeito da ausência de cérebros grandes e sua consequente capacidade computacional. Implicitamente, os resultados desta tese demonstram que a manipulação dos níveis de interdependência é uma ferramenta importante para compreensão do sistema de reprodução cooperativa. A interdependência parece funcionar como elemento central neste sistema de reprodução, de modo que, a manipulação dos níveis de interdependência pode trazer a tona a diversidade de respostas comportamentais possíveis dentre as espécies que apresentam o sistema de reprodução cooperativa.