A FAUNA RUPESTRE DE JOÃO CABRAL DE MELO NETO
Zoopoética; Alteridade animal; Animalidade; João Cabral de Melo Neto.
Nesta dissertação, pretendo alargar as fronteiras dos sistemas receptivo, poético e imaginário que circundam João Cabral de Melo Neto, através da elaboração de uma leitura analítico-interpretativa de sua poesia guiada pelas formas da animalidade, sob o prisma teórico-crítico da Zoopoética. Tal estudo norteia-se pela compreensão da postura criativa de Cabral como uma poética atenta à alteridade, incluindo, neste inventário, os bichos. Situado na área de Literatura Comparada, considero, do ponto de vista metodológico, o aspecto transitivo do texto poético e a relação valencial entre os estudos literários e os outros campos do saber, a exemplo da Filosofia, da Etologia e da Zoologia. Almejo construir um catálogo dos animais escritos pelo autor com o intuito de caracterizar os modos de formalização desses viventes não humanos em sua obra poética. Ao desdobrar esse objetivo, procuro, especificamente: i) mapear vocábulos e imagens pertencentes ao campo semântico zoológico presentes nas obra de Cabral; ii) traçar o percurso valorativo da animalidade no conjunto da poética cabralina; iii) desvelar os mecanismos de engendramento dos animais nos poemas do autor; e iv) examinar os modos de apreensão de alguns desses bichos na tessitura composicional. Em conformidade com este horizonte de investigação, proponho uma bifurcação da leitura de modo a contemplar um movimento extensivo, abarcando o percurso panorâmico pela obra, e um intensivo, com o fim de conduzir o esforço interpretativo para uma recolha de poemas, sendo estes: “Poema(s) da cabra”, “Formas do nu”, “O urubu mobilizado” e “Touro andaluz”. O corpus foi selecionado a partir do reconhecimento da centralidade do animal como elemento de irradiação composicional e do reconhecimento de relações interespecíficas que ganham materialidade nesses poemas. Com esta investigação, identifiquei uma coleção ampla e heterogênea de referências a animais nos poemas do autor – de alusões genéricas a usos de espécies singulares – à qual são atribuídos valores igualmente diversificados. O percurso pela (zoo)poética de João Cabral abre, para o leitor, a percepção das modalizações pelas quais passa a animalidade: em um primeiro momento, tomada a partir da dimensão instintiva e monstruosa a ser combatida no processo consciente de escrita, até a consideração dos animais como formas de vida com as quais são aprendidos saberes estéticos e éticos acerca do mundo coabitado.