V COLÓQUIO INTERNACIONAL CORPO E CULTURA DO MOVIMENTO - INSCRIÇÕES ABERTAS ATÉ 07/11/2018!!

O evento exprime as parcerias que vêm sendo estabelecidas e consolidadas ao longo dos últimos 12 anos entre grupos de pesquisa, pesquisadores brasileiros e franceses em torno dos estudos do Corpo e Cultura do Movimento. Nessa quinta edição do Colóquio Internacional Corpo e Cultura de Movimento, será também realizado o IV Simpósio Internacional Franco-Brasileiro Corpo, Educação e Cultura do Movimento, estabelecido através da parceria entre a Universidade de Montpellier, a UFRN e o IFRN; O II Congresso Internacional de Emersiologia através da parceria entre a Universidade Paris Descartes e a UFRN; e o I Congresso Internacional de Estesiologia, comemorando os 5 anos de existência do Grupo de Pesquisa Estesia - Corpo, Fenomenologia e Movimento.

O tema do evento pretende congregar estudos, pesquisas e debates em torno da questão da Imagem corporal, percepção de si e do outro. Aproximar-se-ão, assim, fenomenologia, psicanálise, educação física e educação para refletir sobre a imagem corporal e a relação entre emoção e expressão do corpo: o corpo-próprio, o corpo do outro e o corpo do mundo, a subjetividade e a intersubjetividade das experiências vividas em contextos sociais, educativos, clínicos, artísticos, entre outros. 

Em suas Meditações Cartesianas e Conferências de Paris, especialmente na quinta meditação, Husserl (1931) expõe sua compreensão do problema do outro (o alheio), a relação entre o subjetivo e o intersubjetivo e a questão do corpo. “Eles (os outros) são também experienciados como governando psiquicamente os somas naturais que lhe correspondem” (HUSSERL, 1931, p. 129). Soma (Leib) e corpo (korper) ou ainda leibkorper (corpo somático) ou soma corpóreo (Korperlicher leib). Aqui notam-se as definições de Husserl para dar a esse corpo objetivo uma subjetividade e uma intersubjetividade (intercorporeidade). “Assim, entrelaçados de modo peculiar com os somas, enquanto objetos psicofísicos, estão eles no mundo. Por outro lado, experiencio-os, ao mesmo tempo, como sujeitos para este mundo, como tendo experiência deste mundo, deste mesmo que experiencio, e, portanto, como tendo experiência de mim próprio, de mim, tal como experiencio o mundo, e, portanto, aos outros” (p. 129, § 43 -123). Com essa compreensão, entramos no campo das intencionalidades, em que sínteses, motivações e o sentido do alter-ego se anuncia e se confirma. Nesta intencionalidade constitui-se um novo sentido de ser que ultrapassa meu ego para acolher o Outrem.

Essa breve retomada de Husserl tem o objetivo de situar historicamente na fenomenologia essa questão do outrem, para chegar à leitura de Merleau-Ponty, que certamente ouviu as conferências de Husserl em Paris e as retoma em muitos de seus projetos filosóficos, inclusive nos cursos sobre a Natureza, dedicando um espaço importante para essa temática do outro e da intercorporeidade a partir da afirmação da tese do mundo. É o mundo que vai produzir uma diferença na operação meditativa e na reflexão filosófica, em particular na redução fenomenológica. 

No ensaio La Guerre a eu lieu (1945), Merleau-Ponty já colocava a problemática do outro, relacionada inicialmente à questão histórica produzida pela experiência da guerra: “Daqui em diante os alemães que encontrássemos na rua, no metrô, no cinema, não nos era mais permitido tratar-lhes humanamente (...). Era preciso distinguir os nazistas e os alemães” (...). Viver durante quatro anos ao lado deles sem viver um minuto com eles, sentir-nos sob seu olhar como “franceses” e não como homens” (...). Mesmo para aqueles cuja vida continuava, sentiam que sua liberdade não era como antes. Não somos livres sozinhos”. 

Esse tema percorrerá a sua tese sobre a fenomenologia da percepção de ponta a ponta, finalizando com o tema da liberdade. O mundo é tema primeiro da fenomenologia – um não ao positivismo psicológico, introspectivo. Não existe homem interior, o homem está no mundo e é no mundo que ele conhece. O corpo como órgão do eu posso é colocado no centro da experiência, do mundo-vida e das operações reflexivas. Mas, que corpo é esse? O corpo em movimento e seu esquema corporal. “A consciência que tenho de meu corpo é uma consciência escorregadia, o sentimento de um poder. Tenho consciência de meu corpo como uma potência indivisa e sistemática de organizar certos desenvolvimentos de aparência perceptiva. ´...] Eu organizo com meu corpo uma compreensão do mundo, e a relação com o meu corpo não é a de um Eu puro, que teria sucessivamente dois objetos, o meu corpo e a coisa, mas habito meu corpo e por ele habito as coisas. A coisa me aparece assim como um momento de minha unidade carnal (soma, corpo, desejo), como encravada em seu funcionamento. O corpo aparece não só como o acompanhante exterior das coisas, mas como campo onde se localizam minhas sensações” (MERLEAU-PONTY, 2004, p. 122). 

Cabe ainda esclarecer que “o conhecimento que tenho de meu corpo é lacunar” (MERLEAU-PONTY, 2004, p. 124). Falta-lhe um espelho, falta-lhe o outro. Para Husserl essa percepção do outro relaciona-se ao fenômeno da empatia, tratando-se assim de uma “operação quase corporal”, realizada por um sujeito “estesiológico”. “Eu projeto no corpo do outrem um eu penso, mas apercebo corpo como percipiente antes de percebê-lo como pensante. Trata-se de uma relação carnal atravessada também pelo, desejo. “A estrutura estesiológica do corpo humano, é, portanto, uma estrutura libidinal, a percepção um modo de desejo, uma relação do ser e não de conhecimento” (MERLEAU-PONTY, 2004, p. 340). O corpo é um órgão para o outrem (intercorporeidade), campo do simbolismo. Assim, o corpo passa no mundo e o mundo passa no corpo, constituindo linguagem, uma fisionomia, um fio de silêncio. 

A abertura do meu corpo a outros corpos, a articulação dos corpos no mundo faz vibrar a estesiologia e os vínculos corporais. Ela emerge da vida, da relação com um meio ambiente (unwelt), como o desejo emerge da animalidade, da pulsão. O gigante Atlas está de pé num chão. Ele é um dos titãs – seres desproporcionais que carregavam toda a força da natureza, a desordem e o caos – condenado por Zeus a sustentar o mundo (irmão de Prometeu). Atlas – nossa primeira vértebra cervical – sustenta a cabeça. Mas há um solo: o corpo. Anexar o corpo do outro é uma experiência intercorpórea, estesiológica. “Se, ao apertar a mão de outro homem, tenho a evidência de seu estar-ali, é porque meu corpo anexa o corpo do outro” (MERLEAU-PONTY, 1960, p. 186). Trata-se de um vínculo entre o ser e seu corpo e a demanda por uma escuta sensível: “Se estou bastante próximo do outro para ouvir-lhe o alento, sentir-lhe a efeverscência e a fadiga...” (MERLEAU-PONTY, 2012, p. 140). Extensão das ligações internas do corpo próprio, como é o caso da sinergia entre as mãos. Essa sinergia é uma abertura a uma existência generalizada (corpo e mundo). A arquitetônica da corporeidade une esquema corporal e imagem do corpo, o corpo próprio, o corpo do outro e o corpo do mundo. Françoise Dolto (1982), ao trabalhar com crianças, em especial com seus desenhos, afirma que o esquema corporal se refere ao corpo atual no espaço da experiência. Ele pode ser independente da linguagem entendida como história relacional. A imagem corporal refere-se ao sujeito do desejo e a seu prazer, mediatizada pela linguagem, assim ela pode se tornar independente do esquema corporal e é sempre inconsciente. A imagem do corpo é constituída na articulação dinâmica de uma imagem de base, de uma imagem funcional e de uma imagem das zonas erógenas onde se exprime a tensão das pulsões. Schilder, a partir de observações clínicas de lesões cerebrais desenvolve a noção de Korpeschema (esquema do corpo), em 1923. Ele trabalha as relações entre neurologia, fisiologia, Gestalt, fenomenologia para estudar os mecanismos cerebrais na percepção e na ação, sem separar o orgânico e o funcional. Nesse contexto, entende-se por imagem do corpo humano a figuração do nosso corpo na nossa mente, ou seja, o modo pelo qual o corpo se apresenta para nós” (SCHILDER, 1935/1999, p. 7). Ele destaca a importância das sensações que nos chegam através da pele, dos músculos, das vísceras. “A imagem do corpo é dinâmica e está em perfeita autoconstrução e autodestruição interna (SCHILDER, 1935/1999, p. 12).

Merleau-Ponty afina-se com essas compreensões do esquema corporal e da imagem do corpo. Para ele, “o contorno do meu corpo é uma fronteira que as relações ordinárias do espaço não transpõem” (MERLEAU-PONTY, 1945, p. 127). Assim, as atitudes do corpo, sua postura, o tônus muscular e seu movimento, apresentam-se como um resumo da experiência corporal. O esquema corporal é dinâmico e é uma maneira de exprimir que meu corpo está no mundo. O organismo busca incorporar o mundo externo: sensações da pele, contatos, libido, integridade do corpo (Freud), Libido narcisista: relação com nosso corpo (zonas erógenas). Assim, considera-se as influências das emoções no modelo postural do corpo seja na superfície ou partes internas, na perda da sensação em partes do corpo, nas alterações da pele, na alteração na percepção da gravidade do corpo. Esses aspectos confirmam que os movimentos, a tensão e o relaxamento influenciam a imagem corporal e a relação entre emoção e expressão.

Referências: 
DOLTO, Françoise. L'image inconsciente du corps. Paris: Éditions du Seuil, 1982. 
HUSSERL, Edmund. Meditações cartesianas e conferências de Paris. Rio de Janeiro: Forense, 2013. 
MERLEAU-PONTY, Maurice. A natureza: curso do Collège de France. São Paulo: Martins Fontes, 2006. 
__. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes, 2011. 
__. Signes. Paris: Gallimard, 1960. 
__. La guerre a eu lieu. In: __. Sens et non-sens. Paris: 1996. 
__. O visível e o invisível. São Paulo: Perspectiva, 2012. 
SCHILDER, Paul. L'image du corps. Paris: Gallimard, 1999. 

Petrucia Nóbrega
Presidente do comitê organizador

Notícia cadastrada em: 16/10/2018 08:35
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