Herança epigenética do comportamento social e organização de circuitos neuronais do córtex pré-frontal em um modelo animal de autismo
autismo, VPA, comportamento social, parvalbumina, herança epigenética.
O autismo compreende um grupo heterogêneo de desordens caracterizado por déficits sensoriais, motores, de linguagem e principalmente sociais, percebidos logo no início da infância. Fatores genéticos e epigenéticos, assim como fatores ambientais, estão fortemente envolvidos na predisposição ao autismo. Estudos em modelos animais da doença sugerem que estes mesmos fatores podem alterar o desenvolvimento do sistema nervoso central, modificando padrões de diferenciação e maturação neuronal e gerando uma circuitaria cerebral disfuncional. Logo, identificar as alterações neurais no cérebro em desenvolvimento pode fornecer pistas sobre as causas e possíveis tratamentos do autismo. O modelo animal induzido através de administração de VPA em ratas grávidas foi previamente caracterizado pelo nosso grupo. Nós demonstramos que animais expostos ao VPA durante a gestação (F1VPA) apresentam comportamentos “tipo-autista” na vida pós-natal, tais como hiperlocomoção, estereotipia prolongada e redução da interação social. Histologicamente, detectamos uma redução no número de interneurônios parvalbumina (PV)+ no córtex pré-frontal medial (CPFm) destes animais em comparação aos controles. Considerando os efeitos do VPA sobre a estrutura da cromatina e metilação do DNA, levantamos a hipótese de que alterações comportamentais e histológicas observadas em animais F1VPA seriam transmissíveis para a geração seguinte, independente de novas exposições ao VPA. Neste trabalho, analisamos o comportamento e a histologia do CPFm na progênie dos animais F1VPA, doravante denominados F2. Observamos que estes animais apresentam significante redução na interação social e na frequência de levantamentos exploratórios quando comparados aos animais controle. Esta redução na preferência social, no entanto, foi intermediária entre aquela apresentada por animais controle e animais F1VPA, sendo que nestes últimos os prejuízos no comportamento social foram mais intensos. Por outro lado, não observamos hiperlocomoção, nem alterações na ambulação exploratória ou no padrão de estereotipias em animais F2 quando comparados aos controles. Locomoção, exploração e estereotipias tiveram seus perfis normalizados com relação aos animais F1VPA. A fim de testar se os prejuízos comportamentais na F2 advinham de diferenças nos cuidados parentais de mães VPA e mães controle sobre seus filhotes, realizamos experimentos de adoção cruzada. Nós observamos que animais F2 cuidados por mães controle apresentam baixos índices de sociabilidade quando comparados a animais controle cuidados por mães controle, o que corrobora a interpretação de que as alterações observadas nestes animais são herdadas epigeneticamente. A avaliação histológica do tecido cortical revelou um aumento no número de neurônios PV+ no CPFm em animais F2, sugerindo um desbalanço excitatório/inibitório na circuitaria fronto-cortical, também observado em animais da F1VPA, porém em direção oposta. Portanto, os dados apresentados indicam que a exposição pré-natal ao VPA induz alterações epigenéticas em ratos que podem ser transmitidas aos seus descendentes. Este modelo poderá contribuir no futuro para a identificação de assinaturas genéticas associadas com as alterações comportamentais e histológicas observadas no autismo.