RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E O ESPAÇO ESCOLAR: ARTICULAÇÕES E DISSONÂNCIAS ENTRE O MOVIMENTO NEGRO E O ESTADO BRASILEIRO A PARTIR DO PROGRAMA NACIONAL DO LIVRO DIDÁTICO (1995 – 2014)
Palavras-chave: Livro Didático; Relações Étnico-raciais; PNLD; Movimento Negro; Espaço Escolar.
O presente trabalho tem por objetivo central analisar as disputas, negociações e embates travados pelo Movimento Negro e o Estado brasileiro no espaço escolar, no que diz respeito à educação para as relações étnico-raciais, tendo como recorte a especificidade dos afrobrasileiros, a partir do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), entre os anos de 1995 e 2014. Para que essa análise possa ser realizada, três conjuntos de fontes são analisados: 1) documentos produzidos pelo Movimento Negro, em parceria com outros grupos da sociedade civil organizada, em eventos promovidos por secretarias como a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), com destaque aos relatórios das Conferências Nacionais de Promoção da Igualdade Racial (CONAPIR). Também compõe esse conjunto de fontes os documentos produzidos exclusivamente pelo Movimento Negro e que foram entregues de forma direta à Presidência da República, conforme feito com os manifestos elaborados durante a Marcha Zumbi dos Palmares contra o Racismo pela Cidadania e a Vida e a Marcha Zumbi +10, realizadas – respectivamente – nos anos de 1995 e 2005, em Brasília/DF; 2) relatórios de gestão de duas secretarias fundamentais no diálogo entre os movimentos sociais e o Estado: a SEPPIR e a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI); e 3) os editais do PNLD, documentos que apresentam os critérios observados nos materiais a serem avaliados e comprados pelo programa. Neles, estão estabelecidos todos os itens que ao longo do processo de seleção são utilizados como parâmetros que indicam se o livro está apto ou não a ser adquirido pelo Governo Federal. As inferências realizadas em tal documentação partem da análise de conteúdo proposta por Laurence Bardin, metodologia que nos permite observar os argumentos utilizados com fundamentos tanto quantitativos quanto qualitativos. Ter como referência teórica a categoria de espaço praticado, a partir de Michael de Certeau, permitiu que fosse aproveitada uma concepção de espaço escolar que não fosse delimitada pelos muros que cercam as instituições de ensino. Trata-se de um trabalho que, essencialmente, parte das relações que são estabelecidas entre os grupos e os sujeitos que estão discutindo e problematizando o ensino para as relações étnico-raciais, bem como da história e cultura afrobrasileira e as instituições e órgãos responsáveis pela efetivação das políticas públicas antirracistas no país. Ao término do trabalho, foi possível constatar que o PNLD buscou dar cumprimento ao exigido pelas políticas públicas e, consequente, às demandas colocadas pelo Movimento Negro, principalmente, na qualificação dos conceitos e termos utilizados, na indicação direta da legislação específica que se refere a uma educação antirracista no Brasil, bem como na permanência do peso que as diretrizes contra preconceitos e formas de discriminação possuíam no quadro geral dos editais. Essas mudanças presentes nos editais, mesmo não estando de maneira explícita como reivindicação nos documentos produzidos pelo Movimento Negro e nos eventos, são resultantes de uma circulação das demandas trazidas pelos ativistas do Movimento e que atuavam também em variadas secretarias, conselhos e instituições que abriam espaço para a sociedade civil.