Caracterização do material particulado e avaliação do risco ocupacional e mecanismos moleculares associados à queima artesanal da castanha de caju
Queima da castanha de caju, material particulado, hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, 1-hidroxipireno, genotoxicidade, via de resposta ao dano no DNA.
O Brasil configura entre os maiores produtores de castanha de caju do mundo. Contudo a queima da castanha ainda é realizada de forma artesanal, sobretudo no semiárido brasileiro. Diante disto, o objetivo deste estudo foi realizar uma caracterização físico-química do material particulado (MP) emitido pela queima artesanal da castanha de caju, assim como determinar o risco ocupacional e mecanismos moleculares associados. As características mais evidentes do MP foram a prevalência de partículas finas, morfologias típicas da queima de biomassa, como as "tar ball" e os elementos K, Cl, S, Ca e Fe. Além disso, análises de modelagem atmosférica sugerem que essas partículas podem atingir regiões distantes da fonte de emissão. Os hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs) com potencial carcinogênico, tais como: benzo(a)pireno, dibenzo(a,h)antraceno, benzo(a)antraceno, benzo(b)fluoranteno, criseno, benzo(k)fluoranteno, indeno(1,2,3,-c,d)pireno e benzo(j)fluoranteno foram os mais abundantes nas duas campanhas de monitoramento do ar. Dentre os oxi-HPAs, a benzantrona (7H-benzo(d,e)antraceno-7-ona) teve a maior concentração e a avaliação do risco de câncer de pulmão indicou um aumento de 12 a 37 casos de câncer a cada 10.000 pessoas expostas. A análise química da casca torrada da castanha identificou os HPAs: fenantreno, benzo(g,h,i)perileno, pireno e benzo(a)pireno, além do alérgeno 3-pentadecilfenol, análogo do urushiol, como prevalecentes. A exposição ocupacional aos HPAs foi confirmada pelo aumento dos níveis urinários de 1-hidroxipireno, assim como a genotoxicidade foi evidenciada pelo aumento de micronúcleos e broto nuclear em células da mucosa oral, nos trabalhadores expostos. Outros biomarcadores de efeito, tais como cariólise, cariorréxis, picnose, e células binucleadas também tiveram a sua frequência aumentada quando comparado com um grupo controle não exposto. A investigação dos mecanismos moleculares associados ao extrato orgânico do MP mostrou citotoxicidade em células do pulmão humano (A549) em concentrações ≥ 4 nM BaPeq. Utilizando doses não citotóxicas o extrato foi capaz de ativar proteínas envolvidas na via de resposta ao dano no DNA (Chk1 e p53). Além disso, foi verificado a contribuição específica dos quatro HPAs mais representativos na amostra de queima da castanha de caju e o benzo(a)pireno foi o HPA mais eficiente na ativação de Chk1 e p53. Por fim, o extrato orgânico foi capaz de aumentar de forma persistente a expressão de mRNAs envolvidos na metabolização dos HPAs (CYP1A1 e CYP1B1), bem como resposta inflamatória (IL-8 e TNF-α) e parada no ciclo celular (CDKN1A) para reparo no DNA (DDB2). As altas concentrações de MP e os seus efeitos biológicos associados alertam para os graves efeitos nocivos da queima artesanal da castanha de caju e medidas urgentes devem ser tomadas para o desenvolvimento sustentável da atividade.