Escravo moderno em discurso: figuras de ação e ação em (dis)curso nas representações do agir humano
escravidão moderna; análise crítica do discurso; interacionismo sociodiscursivo
Este trabalho toma como objeto de estudo uma prática social: a escravidão moderna dos trabalhadores da cana de açúcar, e busca apresentar uma reflexão a respeito da manutenção, extirpação ou modificação dessa prática. Essa reflexão parte das concepções de discurso e proposta analítica da Análise Crítica do Discurso (FAIRCLOUGH, 2001, 2003, 2006 e CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 1999) associadas às propostas do Interacionismo Sociodiscursivo (BRONCKART, 1999, 2006, 2008), e à noção de Figuras de Ação, proposta por Bulea (2010). Seguem-se, portanto, os cinco passos descritos em Chouliaraki e Fairclough (1999): a) ênfase em um problema social, b) apresentação e discussão a respeito dos obstáculos vinculados ao problema, c) considerações a respeito da rede de práticas e sua necessidade do problema, d) identificação das possibilidades se suplantar o problema, e) reflexão sobre o papel do analista em relação ao problema social que aborda. Para atender ao passo (b) no que diz respeito especificamente à análise material do discurso, foram identificados o conteúdo temático, os tipos de discurso, os mecanismos enunciativos e as figuras de ação de depoimentos de trabalhadores da cana de açúcar e de outros sujeitos envolvidos com o problema dos documentários Bagaço (2006) e Tabuleiro de Cana, Xadrez de Cativeiro (2006). Esses documentários trazem para as telas um pouco da realidade dos cortadores de cana, dentro de um universo de superexploração, desrespeito aos direitos humanos e trabalho forçado. A análise de aspectos textuais-discursivos dos depoimentos mostrou como a (des)construção das representações do agir dos trabalhadores da cana escravizados permitem entender como o problema surge e como se encontra enraizado na organização da vida social. Os resultados gerais da reflexão apontam para a internalização de práticas sociais e discursivas sedimentados a partir de avaliações do mundo subjetivo do trabalhador da cana e de valores, opiniões e regras do mundo social. Identificou-se que, em seus discursos, os trabalhadores assumem a sua escravidão ora consciente, ora inconscientemente, mas apenas enunciam uma reação à opressão que lhes impõe porque a sua escravização foi internalizada e naturalizada.