Entre liberdades e restrições: Experiências na mobilidade urbana de
crianças nos trajetos casa-escola-casa em Quixadá, Ceará
Mobilidade Ativa. Mobilidade Independente de Crianças. Experiências urbanas.
Percepção Ambiental. Cidadania.
As crianças têm um papel social cada vez mais dependente do adulto, invisibilizada nos processos
decisórios da vida pública, considerada a cidadã do futuro e não do hoje e confinada em ambientes
privados sob o argumento de segurança e bem-estar. Seus deslocamentos são vertiginosamente mais
motorizados, poucas vezes independentes (sem supervisão direta de adultos) e vivenciados através de
vidros em “ilhas privadas”, na qual o espaço público é apenas passagem. Essas relações têm impactado
diretamente em seu desenvolvimento social, emocional, mental e espacial. Há diversos estudos e
iniciativas que protagonizam a relação criança-cidade e seus deslocamentos, todavia, há uma lacuna
sobre pesquisas fora dos grandes centros urbanos no Sul Global. Assim, o objetivo desta pesquisa foi
compreender as interações criança-cidade à luz das experiências de mobilidade urbana nos trajetos
casa-escola-casa em Quixadá/CE e seus (des)estímulos ao transporte ativo e independente.
Estruturamos o percurso metodológico em (1) revisão de literatura sobre a mobilidade
ativa/independente e nas experiências urbanas como possibilidades cidadãs (BARBOSA, 2016;
SARMENTO, 2018; TONUCCI, 2005) através da percepção ambiental e das relações afetivas na
vinculação ao lugar como base para uma ação-transformação ético-política na cidade (GIULIANI, 2003;
ITTELSON, 1978; LYNCH, 1982; TUAN, 2013). Em seguida, desenvolvemos um estudo de caráter
exploratório com a (2) caracterização de aspectos sociofísicos dos trajetos por meio de mapeamentos,
observações em campo e registros fotográficos. Posteriormente, (3) aplicamos questionários com
pais/responsáveis e realizamos entrevistas estruturadas e mapas afetivos com crianças de 8 a 11 anos
em três escolas públicas. Os resultados apontaram que 73% das crianças participantes realizaram
trajetos com modais ativos e 50% do total teve alguma experiência de mobilidade autônoma. Parte dos
adultos se mostrou resistente à mobilidade ativa e, mais ainda, às deslocações independentes em razão
de longas distâncias, violência urbana, medo de desconhecidos, trânsito e conforto ambiental. As
características que potencializaram o transporte ativo e independente foram a permeabilidade urbana
(configurações da malha, quadras); diversidade de usos do solo; legibilidade urbana para os moradores;
presença de rede de vizinhança; e atribuição de qualificações positivas. O conhecimento ambiental foi
mais sólido e crítico com vinculações funcional, relacional e simbólica com os trajetos nas crianças que
adotaram mobilidade ativa, enquanto nas crianças de mobilidade motorizada a vinculação foi apenas
funcional e menos crítica. Assim, concluímos que os ambientes (social, construído, familiar, de
transporte e subjetividades) de Quixadá tiveram mais aspectos que favoreceram a adoção de transporte
ativo/independente, embora não seja intencionalmente educativa. Essa realidade tem oportunizado a
experienciação e desenvolvimento de vínculos da criança com o espaço público construindo maior
potencialidade cidadã. Mais do que nunca, se aspiramos por cidades mais democráticas e plurais em
tempos difíceis como o que enfrentamos, precisamos amplificar o potencial educativo da cidade, além
de necessária, a esperança na infância é também uma possibilidade de resistência.