PODER, MÍDIA E DISCURSO NA “CANONIZAÇÃO” do cangaceiro JARARACA
Cangaço. Mídia. Discurso. Poder. Resistência
Cerca de 50 cangaceiros chefiados por Virgulino Ferreira da Silva, Lampião, tentaram invadir Mossoró-RN em 1927. A defesa liderada pelo prefeito Rodolpho Fernandes derrotou os bandidos. Um deles, José Leite de Santana, Jararaca, a quem atribuem crimes monstruosos, como o de lançar crianças para o alto e apará-las na ponta do punhal, foi preso e enterrado vivo pela polícia, segundo a versão mais comum para sua morte. Desde aquele ano, a mídia faz retomadas frequentes de narrativas que exaltam os heróis locais em detrimento dos inimigos. A problemática centra-se no fato de que, apesar dessa suposta regularidade enunciativa, os discursos materializados na imprensa geraram deslizamentos de sentidos, à medida que Jararaca virou santo, ofuscando os defensores. Além disso, o túmulo dele atrai fiéis e curiosos, enquanto poucos sabem onde se localiza o do prefeito que salvou os munícipes da sanha lampiônica. As rupturas que propiciaram tal fenômeno motivam esta tese cujo objetivo é o de identificar, descrever e analisar discursividades das quais se possa extrair evidências sobre as condições de aparecimento, formação e continuidade dos enunciados em torno da “canonização” do bandoleiro. Projetou-se, para tanto, uma pesquisa de natureza qualitativa e com inserção na área da linguística aplicada de natureza interdisciplinar (MOITA LOPES,2006). A base teórica parte dos estudos da linguagem, com Foucault (1987, 2004, 2005, 2006, 2007a, 2007b e 2013), de quem são extraídos conceitos e procedimentos relacionados ao método da análise do discurso, ao poder, à resistência e à ostentação dos suplícios; envolve teorizações sociais e da história, recorrendo-se a Hobsbawm (2010), Fernandes (2009), Nonato (2007), Pericás (2010) e Falcão (2013) para entender o banditismo no Nordeste; e busca, nos estudos da comunicação, especialmente em Maingueneau (2004), Sousa (2004), Traquina (2001, 2005), Thompson (2004), Charaudeau (2006) Wolf (2003), pistas para interpretar o papel da mídia na transformação do criminoso em milagreiro. A conclusão provisória a que se chega, decorrente do exame do corpus formado por matérias jornalísticas de 1927, 1977 e 2017, é a de que o Jararaca que habita o imaginário mossoroense não é o homem, é um discurso sobre ele, atravessado por múltiplas influências na subversão dos mecanismos de controle, seleção, organização e redistribuição de signos do discurso oficial decorrente dos aparelhos de Estado, pelo discurso do cotidiano produzido nas periferias instáveis no turbilhão das relações sociais, graças ao processo de agendamento que produz repercussões simbólicas há quase 100 anos.