Análise de padrões eletroencefalográficos e conteúdo de sonhos para avaliar a interação entre sono e comportamento durante uma simulação de presa e predador
Sono, sonhos, jogos eletrônicos, eletroencefalografia, microestados
O sono é um estado mental e corporal importante para a eliminação de toxinas geradas pelo metabolismo e para a consolidação de memórias. É um estado bastante conservado ao longo da evolução animal, sendo presente em todas as espécies de répteis, aves e mamíferos já estudadas. Por sua alta preservação evolutiva, é bem provável que o sono tenha exercido influência sobre a constituição dos diferentes comportamentos encontrados nos animais. Por exemplo, será que os distintos hábitos de presas e predadores teriam sido influenciados pelo sono? E pelos sonhos? As pesquisas científicas não encontraram até hoje diferenças robustas no sono de presas e predadores. Contudo, as possibilidades de investigação em humanos podem ser uma potencial fonte de descobertas nessa área. Primeiramente, pelo fato de os seres humanos poderem nos comunicar os sonhos que tiveram. Além disso, é possível a elaboração de tarefas complexas usando jogos de videogame, que simulem diversas situações que seriam difíceis de serem feitas de outra forma. Nesse sentido, foram realizados experimentos com 17 duplas de voluntários, os quais vieram simultaneamente ao laboratório e tiveram a atividade cerebral registrada através de eletroencefalografia (EEG). Durante o registro a dupla jogou um jogo eletrônico por 45 minutos, depois dormiram por 2 horas e em seguida jogaram novamente por mais 45 minutos. No jogo, um dos participantes atuou no papel de presa e o outro de predador. A presa poderia abater o oponente apenas com socos, enquanto o predador abatia com socos e com uma arma de fogo. Portanto, o predador possuía vantagem na disputa, assim como é na natureza. Os sinais de EEG foram analisados através de uma técnica chamada microestados. Ela classifica o tempo de registro como uma sequência de 4 configurações da atividade elétrica, chamados “A”, “B”, “C“ e “D”. Os relatos de sonho dos participantes que sonharam também foram avaliados, através de uma técnica conhecida como similaridade de cossenos. Essa técnica avalia a distância semântica de um texto para uma palavra-chave, gerando uma métrica que indica o quanto o significado das palavras do texto é similar à palavra-chave. Dessa maneira, foi avaliado o quanto os relatos de sonhos eram similares a algumas palavras chave. Uma das palavras testadas foi a palavra jogo, que é uma forma de possibilitar a análise sobre o quanto os participantes sonharam com o jogo. Foram encontrados alguns resultados significativos. Dentre estes, merece destaque a correlação positiva encontrada entre a porcentagem de tempo coberta pelo microestado A e a diferença no número de mortes do predador entre o jogo 2 e o jogo 1. Essa correlação foi encontrada tanto avaliando as diferenças nas propriedades de microestados entre jogo 2 e jogo 1 (rho: 0.5, p: 0.048), como avaliando essas propriedades durante o sono (rho: 0.5, p: 0.043). Também foi encontrada uma correlação negativa entre a distância dos relatos de sonho para a palavra jogo e a diferença no número de mortes entre jogo 2 e jogo 1, para as presas (rho: -0.7, p: 0.004). Estes resultados indicam que a atividade cerebral e o conteúdo dos sonhos influenciam no comportamento de indivíduos submetidos tanto aos papeis de presa, como de predador. A atividade do microestado “A”, caracterizado por uma maior atividade do córtex temporal, influencia em piorar o desempenho do predador. Por outro lado, sonhar com o jogo promove uma melhora no desempenho da presa. Análises adicionais serão realizadas para entender estes resultados.