EFETIVIDADE DAS COLEIRAS IMPREGNADAS COM DELTAMETRINA NO CONTROLE DA LEISHMANIOSE VISCERAL ZOONÓTICA: IMPACTO SOBRE CLUSTERS DE INFECÇÃO CANINA E ABUNDÂNCIA DA LUTZOMYIA LONGIPALPIS
Leishmaniose visceral canina, Leishmania infantum, coleiras impregnadas com deltametrina, autocorrelação espacial, Lutzomyia Longipalpis
Introdução: A leishmaniose visceral zoonótica (LVZ) é uma doença parasitária negligenciada, causada, na América Latina e Europa, pela Leishmania infantum e transmitida no Novo Mundo pelo flebotomíneos da espécie Lutzomyia longipalpis. O modelo de controle adotado no Brasil desde a urbanização da LVZ, baseado na eutanásia dos reservatórios caninos e controle vetorial, com inseticida residual, tem falhado sistematicamente, com disseminação do patógeno por todo país, resultando em doença em humanos e em cães. Nesse cenário, a efetividade de novas estratégias começou a ser testada, com destaque para a utilização em massa de coleiras impregnas com inseticida em cães como forma de diminuir a infecção no principal reservatório urbano e periurbano.
Metodologia: Foi realizado um estudo de intervenção prospectivo não randomizado com coleiras impregnadas com deltametrina à 4% em duas localidades prioritárias para o serviço de vigilância e controle da LVZ no município de Natal, para avaliar a redução da transmissão da L. infantum em cães, comparando a incidência na área de intervenção (AI) com a observada na área controle (AC) sem coleira, em ambas as áreas se buscou a eutanásia dos cães com LVZ. Inquéritos sorológicos caninos censitários foram realizados no início do estudo (t0), aos 6, 12 e 27 meses, com eutanásia dos cães infectados e colocação de coleiras nos cães. Foram feitas duas reposições de coleira, uma após 6 meses e outra aos 12 meses. Foi realizada análise da dinâmica espacial da infecção canina por L. infantum por modelo Bayesiano, com determinação do coeficiente de associação espacial pelo índice de Moran entre quadras vizinhas. Foi realizado também monitoramento entomológico no peridomicílio com armadilhas luminosas tipo Center for Disease Control (CDC) por 19 meses e testagem sorológica para infecção com patógenos de carrapato para análise da associação entre estes e a infecção canina por L. infantum. Foi feito também um estudo transversal de infecção humana por L. infantum no tempo 0. Resultados: Um total de 11.285 avaliações caninas foi realizado ao longo de 27 meses nos 4 inquéritos sorológicos. A infecção por L. infantum em cães diferiu entre as áreas de intervenção (10%) e controle (19,7%) no início do estudo (OR = 0,454; IC 95%: 0,364–0,566). A infecção humana por L. infantum também foi distinta: 4% (intervenção) versus 14,3% (controle). A razão de chances (OR) da infecção por L. infantum entre cães e humanos foi de: 2,405 (IC 95%: 1,720–3,363) na AI e 1,459 (IC 95%: 1,117–1,906) na AC. As coleiras impregnadas foram efetivas aos 6 meses (OR = 0,448; IC 95%: 0,343–0,584), porém sem diferenças significativas entre as áreas aos 12 e 27 meses. A soroconversão para infecção por Leishmania foi menor em animais que utilizaram coleiras (p = 0,044), com metade do Risco Relativo em relação aos cães controle. Os mapas temáticos de infecção canina por L. infantum exibiram quadras outliers com elevada força de infecção e alta incidência média na vizinhança (formação de clusters) nas AI e AC, porém recorrência de quadras outliers entre períodos sucessivos (0-12 e 12-27) foi baixa na AI (18,75% e 6,7%) e AC (7,5% e 6,7%). Não foi observada diferença significativa entre as séries temporais globais do número de vetor (diferença média 3.62; p=0.5281), abundância relativa (diferença média 0.29; p=0.625) e infestação domiciliar (diferença média -11.26; p=0.059) das AC e AI. No entanto, nos 5 domicílios da AI com cão encoleirado, verificou-se uma diminuição significativa no número médio de Lu. longipalpis (x̅ ± sd: 2.4 ± 2.0) em relação ao número médio de vetores nas 5 casas da AI sem cão (x̅ ± sd: igual a 4.97 ± 4.3). Houve diferença entre as AI sem cão e a AC (Estimate=21,17; p=0.002875) e entre as AI com o cão encoleirado e sem cão (Estimate= -15,53; p=0.04590). Verificou-se associação entre as infecções por L. infantum e as infecções por patógenos de carrapato Ehrlichia spp. e Anaplasma spp. (Pearson chi2(1) = 7.0926 Pr = 0.008). Não foi observada associação entre infecção por L. infantum com o escore clínico (P>|z| 0.449), todavia existiu associação entre infecção por Ehrlichia spp. e Anaplasma spp. com a observação de manifestações clínicas de LVC (P>|z| 0.042). Conclusão: Apesar do uso das coleiras ter se mostrado eficiente na redução na incidência de infecção por L. infantum individualmente, a sua efetividade não se sustentou a nível populacional além dos 6 meses iniciais. Moderada cobertura no encoleiramento da população canino inicial, elevada perda de seguimento dos cães encoleirados, alta taxa de perda de coleiras e entrada de novos cães susceptíveis e sem proteção na área de intervenção, estão entre os principais fatores limitantes para efetividade das coleiras na redução da LVZ.