“VESTIDO BRANCO” E “CASACO PRETO”: A REPRESENTACAO DO TRAUMA DECORRENTE DA MORTE VIOLENTA DE MULHERES NO ROMANCE A FALENCIA, E NOS CONTOS “AS ROSAS” E “INCOGNITA”, DE JULIA LOPES DE ALMEIDA
Julia Lopes de Almeida; Trauma; Literatura de Autoria Feminina; A falência; Ânsia Eterna.
Para Duarte (2022), ainda que as mulheres tenham participado do cenário da literatura há muitos séculos, a produção literária feminina foi sistematicamente ignorada, inclusive, em diversos casos, é como se nunca tivesse existido. Tal processo de apagamento, o qual a autora nomeia de “memoricídio”, foi vivenciado por Júlia Lopes de Almeida (1862-1934), escritora brasileira cuja “obra consistente em número e em qualidade” (Muzart, 2015, p.135), além da relevância cultural de seus escritos, não a impediram de ser esquecida pela Crítica. Porém, nas últimas décadas está em curso um processo de resgate dessa importante escritora, que representou a morte violenta de mulheres em algumas de suas narrativas. Assim, este estudo comparativo busca investigar a representação do trauma relacionado à morte violenta de mulheres na narrativa de Júlia Lopes de Almeida e os seus desdobramentos, para isso, buscou-se contextualizar a narrativa da autora e o seu tempo, assim como analisar as categorias personagem e foco narrativo a partir da perspectiva do trauma, tendo como corpus de análise o romance A falência (1901), e os contos “As rosas” e “Incógnita”, da coletânea Ânsia Eterna (1903). A pesquisa, de caráter qualitativo e bibliográfico, tem por alicerces teóricos, do ponto de vista estético, as reflexões de Jaime Ginzburg (2012; 2016), Antonio Candido et. al (1987), Ligia Chiappini Leite (2005), Maria Lúcia Dal Farra (1978) e Chavalier e Gheerbrant (1982); no que se refere à escritura de Júlia Lopes de Almeida, utiliza-se os estudos de Perrot (2005), Solomani (2005), Ruffato (2018; 2019), Xavier (1991; 1996; 2021), Magalhães (1995) e Branco (1991). Preliminarmente, observa-se que a autora representa o trauma decorrente da morte violenta de mulheres principalmente a partir de discursos diretos, ou seja, diálogos entre personagens masculinos e femininos, que formam entre si relações de paridade nas narrativas, evidenciando os diferentes efeitos do trauma experienciados pelos dois gêneros, verifica-se também que a autora utiliza rosas como símbolo de consolo, constrói imagens insólitas de corpos femininos violentados, e apresenta o momento das mortes a partir da memória de outros personagens; assim, a autora faz uso de elementos formais para realizar uma crítica à violência patriarcal presente em sua época, que reverbera nos dias atuais, e demonstra que seu efeito não atinge apenas as vítimas diretas dessa violência, mas também, através do trauma, as pessoas ligadas à vítima, e toda a sociedade.