URSULA, PEDACOS DA FOME E BECOS DA MEMORIA: ROMANCES DE AUTORIA FEMININA NA LITERATURA NEGRO-BRASILEIRA EM COTEJO DIALOGICO
Úrsula; Pedaços da Fome; Becos da Memória; Cotejo dialógico; Autoria feminina negra.
Nas veredas das produções estéticas de autoria feminina negra, o gênero romanesco reflete e refrata o mundo da vida na arquitetônica da criação literária. Em diálogo, integra o mundo da arte as relações ideológicas e axiológicas que se dão por entre as disposições da língua e da linguagem por meio das composições autorais do discurso artístico. Nessa cena, inserem-se arranjos prosaicos por meio do conteúdo, do material e da forma para a constituição de cronotopos e personagens que evidenciam narrativas insurgentes. Nisso, a tradição e as normas hegemônicas são confrontadas pelo rompimento dos silêncios instituídos e pela representação das experiências diárias de existência e de resistências das mulheres negras. Nesse percurso, objetivamos compreender à luz da teoria dialógica do discurso romanesco como o autor-criador se revela na arquitetônica sócio-estética em romances de autoria de mulheres negras da literatura negro-brasileira. Para tanto, utilizamos os escritos do Círculo de Bakhtin – Bakhtin (2015, 2018, 2023), Volóchinov (2021) - em consonância com os estudos acerca da autoria feminina negra e as teorias dos feminismos negros sob perspectiva decolonial com base nas discussões empenhadas por Gonzalez (2020), Ribeiro (2018, 2019, 2020), Miranda (2019), entre outras intelectuais. Sob esse intento, utilizamos o cotejo dialógico como proposta metodológica para análise do texto literário a partir de leituras das obras: Úrsula (1859), de Maria Firmina dos Reis, Pedaços da Fome (1963), de Carolina Maria de Jesus e Becos da Memória (2003), de Conceição Evaristo. A pesquisa realizada evidencia o diálogo estabelecido entre as três obras a partir dos posicionamentos autorais na disposição estética da autora-criadora-negra que articula os elementos romanescos, como cronotopos e personagens, para enfatizar espaços de resistência e de opressão, confrontar as estruturas sociais e evidenciar as vozes e as memórias de personagens negras. Assim, os romances de autoria de mulheres negras questionam a tradição dos discursos coloniais e patriarcais, contracenando a tradição literária. Destarte, ao explorar a constituição do objeto estético por meio das relações dialógicas da linguagem na produção de autoria feminina negra, esperamos contribuir para os estudos literários, feministas e decoloniais.