Análise de grafos aplicada a relatos de sonhos: ferramenta diagnóstica objetiva e diferencial para psicose esquizofrênica e bipolar.
psicose, esquizofrenia, bipolar, diagnóstico, grafo, linguagem
Sendo o diagnóstico em psiquiatria essencialmente uma descrição subjetiva de sintomas, métodos quantitativos para uma classificação objetiva das desordens mentais são necessários. Distúrbios do pensamento caracterizados a partir da fala, assim como transtornos de linguagem em si, por séculos vêm sendo descritos como características marcantes de quadros psicóticos, produzindo sintomas como incoerência do discurso, empobrecimento da fala, afrouxamento de associações, muito comuns na esquizofrenia. Vendo a relação entre as palavras em um discurso como um sistema complexo, a partir da representação de relatos como grafos de co-ocorrência de palavras, pretendemos caracterizar sintomas observáveis na fala de psicóticos portadores de esquizofrenia ou transtorno bipolar do humor, contribuindo para diagnóstico objetivo e diferencial dessas desordens mentais. Para isso colhemos relatos de sonhos e de atividades realizadas durante a vigília de 60 sujeitos, (20 pacientes psicóticos portadores de esquizofrenia (E), 20 pacientes psicóticos portadores de transtorno bipolar do humor(B) (diagnóstico realizado com aplicação de SCID DSM-IV) e 20 sujeitos não psicóticos (C)), medindo sintomatologia psiquiátrica a partir de escalas psicométricas (PANSS e BPRS). Representando os relatos do sonho e da vigília por grafos onde cada palavra era equivalente a um nó e sua sequência no discurso era representada por arestas, foi possível caracterizar essas redes, extraindo 14 atributos de grafo. Mesmo após controlar diferenças do total de palavras em cada discurso, encontramos que E falavam com menor conectividade entre palavras que demais grupos, característica correlacionada negativamente com sintomas negativos e cognitivos medidos pelas escalas psicométricas. Quando falavam sobre vigília, B eram indistinguíveis dos C, mas falavam sobre sonhos com menos conectividade entre palavras que o último, usando menor diversidade de palavras. As medidas de grafo dessas redes permitiram diagnóstico objetivo (em relação ao C) de E (AUC: 0.931, mais de 90% sensibilidade e especificidade) com semelhante acurácia em relação à quantificação dos sintomas, além de objetivamente classificar B (AUC 0.745, mais de 70% de sensibilidade e especificidade), melhorando diagnóstico diferencial entre E e B (AUC 0.81, mais de 65% sensibilidade e especificidade), o qual não foi possível pela quantificação dos sintomas (AUC 0.376, menos de 40% de sensibilidade e especificidade). Utilizando medidas de grafos associadas à quantificação dos sintomas, simulando situação clínica com uso de redes de co-ocorrência de palavras como diagnóstico complementar, foi possível atingir níveis ótimos de acurácia para diagnóstico de E (AUC 1, 100% sensibilidade e especificidade), de B (AUC 0.928, mais de 80% de sensibilidade e especificidade), com boa classificação diferencial entre E e B (AUC 0.804, mais de 70% sensibilidade e especificidade). Os resultados mostram a ferramenta desenvolvida nesse mestrado como método promissor e acurado para diferenciar psicose esquizofrênica de psicose bipolar, além de constituir método automático e totalmente objetivo de diagnóstico dessas desordens. É possível ainda quantificar sintomas psiquiátricos atualmente com difícil caracterização subjetiva (como sintomas negativos e cognitivos, desordens do pensamento e da linguagem), abrindo possibilidades de uso para busca de biomarcadores. Adicionalmente revela-se que, quanto mais introspectivo o relato, maior a influência da psicopatologia na linguagem. A noção freudiana de que os sonhos são o caminho real para o inconsciente pode ser útil ao final.