A FERROVIA E A OCUPAÇÃO FÍSICA ESPACIAL DE TERESINA (NORDESTE/BRASIL) ENTRE 1922 E 2003.
Sistemas de Transportes; Morfologia Urbana; Modernização; Expansão Urbana; Piauí/Brasil.
A introdução do sistema ferroviário, iniciada na década de 1920, constituiu um marco na modernização da capital piauiense e uma inflexão no processo de expansão urbana, ao romper a malha ortogonal planejada, isolar áreas ao norte do centro consolidado e redirecionar o crescimento da cidade em sentido sudeste. O foco central delimita-se na questão: de que modo a ferrovia, ao mesmo tempo em que promoveu integração regional e modernização urbana, produziu fragmentações, descontinuidades e desigualdades territoriais? A hipótese norteadora sustenta que a ferrovia, ao romper o traçado ortogonal original, configurou-se como vetor estruturante da expansão urbana em direção ao sudeste, mas também como elemento segregador, responsável por descontinuidades espaciais e conflitos socioeconômicos. Supõe-se ainda que sua requalificação posterior, materializada na implantação do Pré-Metrô na década de 1990, manteve a lógica de integração funcional e exclusão territorial, evidenciando a persistência das desigualdades no espaço urbano. Dessa forma, pretende-se compreender as repercussões históricas e morfológicas da ferrovia na estrutura e na ocupação do território, considerando seus efeitos sobre a forma e a dinâmica urbana. Investiga-se os impactos da implantação da ferrovia na configuração urbana de Teresina, considerando o período de 1922 a 2003. A metodologia adota uma abordagem histórico-geográfica e morfológica, articulando análises documentais, cartográficas e empíricas. Fundamenta-se em Groat e Wang (2013), que destacam a coerência entre métodos e estratégias de investigação, e em Oliveira (2015), cuja concepção de morfologia urbana orienta a leitura das formas e transformações do espaço. Foram utilizados registros iconográficos, documentos históricos, observações diretas e cartografia urbana, além da elaboração de “Mapas de Conflitos”, conforme Acselrad e Coli (2008), como instrumento de representação das tensões e disputas pelo uso do solo urbano. O aporte teórico fundamenta-se em autores que analisam a modernização e a produção social do espaço urbano, como: Lefebvre (2001), Harvey (1996; 2006), Santos (2006) e Carlos (2007) que destacam o caráter dinâmico e relacional do espaço; Maricato (2000) e Villaça (2001) que associam a modernização à racionalização capitalista e à reconfiguração das redes urbanas; e Rolnik (1995), Giddens (2008), Souza e Sousa (2019) e Fiorin (2017) que evidenciam a relação entre transporte, expansão urbana e desigualdade socioespacial. Os resultados indicam que a ferrovia exerceu papel ambíguo no processo de formação territorial de Teresina. Entre as décadas de 1930 e 1950, consolidou-se como eixo de transporte de cargas e passageiros, estimulando atividades industriais e a integração regional. Com a ascensão do transporte rodoviário, entre as décadas de 1950 e 1970, sua importância foi reduzida, culminando na interrupção do serviço de passageiros. A requalificação do traçado, em 1977, com rebaixamento da via férrea e o deslocamento do pátio de manobras para a área rural, possibilitou a implantação do sistema intraurbano de passageiros conhecido como Pré-Metrô, na década de 1990, reafirmando o caráter estruturante da ferrovia, mas também a persistência de suas contradições socioespaciais. Conclui-se que a ferrovia foi simultaneamente vetor de modernização e agente de fragmentação urbana, atuando como infraestrutura técnica, social e simbólica que redefiniu a organização territorial da capital piauiense. Sua permanência no tecido urbano contemporâneo revela tanto a continuidade das desigualdades quanto o potencial de reinterpretação desse espaço como eixo de mobilidade e requalificação urbana. O estudo contribui, assim, para a compreensão crítica da ferrovia como elemento estruturante da morfologia urbana de Teresina e como chave interpretativa da relação entre técnica, território e modernização.